quinta-feira, janeiro 25, 2007

Entrevista a Mário de Sousa

Cientista de proa na procriação medicamente assistida, Mário de Sousa é "pai" de centenas de filhos de casais inférteis. Mas vai votar Sim no referendo à despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Porque a vida da mulher é um todo, com corpo e alma, que tem primazia sobre o feto. Este, diz, é "um anexo sem autonomia" até aos cinco meses, altura em que o cérebro começa a funcionar.
Pai feliz há coisa de um ano, Mário Sousa advoga o apoio à mulher que não tem condições para levar uma gravidez acidental em diante. Responsabilizando-a sem criminalizá-la.
JN: Disse numa recente iniciativa dos Médicos pela Escolha que o feto é "um anexo sem autonomia" da mãe até às 24 semanas.
Mário Sousa: Só aí ganha autonomia para sobreviver. Até lá, tem os órgãos em esboço, mas não são funcionais. E um esboço é um esboço. Isto da definição das oito semanas como aquelas em que acaba o período embrionário e inicia-se o período fetal é um artifício. O pulmão só funciona a partir das 28 semanas. A tiróide só segrega hormonas aos quatro meses. O cérebro só amadurece a partir dos cinco meses, aí os neurónios conseguem permitir ao feto o movimento voluntário. Se perguntar às mulheres quando sentem o primeiro pontapé, todas são unânimes em dizer seis meses.
Do lado do Não citam a ciência apontando vida desde a fecundação, o coração que bate.
Funciona desde as três semanas, mas as válvulas só se formam aos cinco meses e só aí os vasos sanguíneos chegam a toda a parte. Agora, é facto científico que a nova vida inicia-se na fecundação.
É um contra-senso.
Não. E por isso é que todo o embrião humano tem de ter estatuto e dignidade e ser protegido. Mas repare que em cada dez casais totalmente férteis a tentar ao mesmo tempo, só dois conseguem uma gravidez. Os outros também fazem embriões, mas estes não se implantam, ou abortam por deficiência até aos três meses. São dados internacionais.
O período das dez semanas para a despenalização parece assim um limite igual a qualquer outro...
As dez semanas vão ter muita elasticidade, porque há várias datações. Dez semanas pela última menstruação são 12 para a ovulação e 14 para a datação da ecografia. E como a maioria das interrupções voluntárias da gravidez (IVG) são entre as oito e as 12 semanas, é mais do que suficiente. Trata-se de impedir que quem não pode avançar com a gravidez vá fazê-lo em casa com um troço de couve, ou vá a uma curiosa e haja complicações. Lembro-me que em 1985, quando fazia urgência de ginecologia, tinha pelo menos uma complicação de abortamento por semana! Só eu! Lembro-me de como essas mulheres eram tratadas pelos médicos. Era atroz! Raspagens sem anestesia para as fazer sofrer, a vingar-se, insultos, recusa de direito de visita...
Falou na protecção do embrião, mas alinha num movimento pelo Sim.
Claro. Devemos tentar arranjar todos os artifícios necessários para que qualquer rapariga que engravida leve a gravidez a termo. É nossa obrigação enquanto médicos saber por que não o podem fazer. Se o problema é a família ou o parceiro, devemos oferecer-nos como mediadores. Se invocarem razões económicas, devemos chamar uma assistente social afectiva e compreensiva que as acompanhe e lhes indique meios de subsistência.
Está a dar razão ao Não...
Não. Porque a grande fatia, como revelou um estudo da Associação para o Planeamento da Família, é de raparigas muito jovens que dizem que não estão preparadas naquele momento da vida para ter um filho. Porque são pequenas, estudam, não sabem quem é o pai... Aí temos duas opções ou um sistema ditatorial que obriga a mulher a levar adiante a gravidez e a persegue se ela não levar, ou protegê-la e permitir que aborte de maneira higiénica, rodeando-a de uma série de medidas para que tal não volte a acontecer. E, felizmente, sendo muito rigoroso em termos de fisiologia fetal, o feto não é capaz de sobreviver fora do útero. Idealmente, se pudéssemos tirá-lo logo e dá-lo para adopção, seria a solução. Mas como não tem viabilidade, a primazia é da mãe. Para nós o mais importante é o respeito pela vida que está à nossa frente: a da mulher.
E o argumento de que isso vai banalizar a IVG?
Segundo o estudo da APF, a maior parte das mulheres que abortaram usava métodos contraceptivos, abortou até às dez semanas e tinha formação secundária ou superior. A gravidez é um acidente de contracepção e 90% não repete a experiência. E depois, obviamente, as pessoas têm que ser responsabilizadas. Se eu fosse ministro, as pessoas pagariam a IVG, a não ser que não tivessem capacidade económica. Lembro-me que em França, em 1993, uma rapariga pagava 30 contos para uma IVG num hospital público. Até por uma questão de sacrifício. Não acredito num aumento. Ninguém faz isso de ânimo leve.
O Não busca noutros países justificação da tese do aumento.
É diferente. Se Portugal tivesse despenalizado o aborto no 25 de Abril, a população era então mais pobre, menos culta, haveria um aumento, porque as mulheres já não iam ter medo de pedir ajuda. Teria havido, como noutros países, uma ascensão inicial e depois uma descida até à estabilização. Hoje, há formação.
Fabrica vida e dá a cara pela despenalização do aborto. Contra-senso?
Não! Pelo contrário! Ajudo os casais a ter bebés e continuo a dizer que são o grande milagre da vida! Mas o que lhes digo é que a coisa mais importante da vida deles não é o bebé. Com os que fazem dele o mais importante, geralmente corre mal. O grande motivo deles é o amor que os une. E o bebé é uma dádiva extra, que não pode substituir esse amor. Se me perguntar se numa situação dramática escolho a minha mulher ou a minha filha, a minha mulher tem prioridade. O bebé é uma dádiva, mas não pode ser à toa! Numa fase em que não está preparada, mais vale não destruir a vida da mulher!
No Juramento de Hipócrates no final da formação, jurou pela protecção da vida.
Todas as interpretações são possíveis... Aquilo que os professores mais sensíveis nos transmitiam era a preservação da vida como a entendemos hoje. Da vida no seu todo, do corpo e da alma, a saúde também é mental. Daí nesta discussão dever dar-se primazia à mulher. Como nas interrupções em caso de doença da mãe. Dá-se-lhe primazia, porque o feto não tem autonomia. Não vejo qual é o problema dos médicos com isto.
Ivete Carneiro in JN
Hoje trago-vos esta entrevista a um homem que dedica a sua vida a ajudar casais a terem filhos. Trata-se de um profissional muito experiente neste ramo e vai votar sim no referendo do aborto. Gostei especialmente desta entrevista pela forma esclarecida e em contacto com a realidade que o Dr. Mário de Sousa aborda esta questão, sem hipocrisias nem demagogias. Apresentou dados científicos e experiência profissional para refutar os argumentos do não. Uma entrevista muito esclarecedora.
Mais uma vez reforço que sou contra o aborto, mas não posso deixar de votar sim no referendo, pois a questão não é se sou a favor ou contra o aborto, mas sim se concordo que seja despenalizada a prática do aborto até às dez semanas por opção da mulher.
Além disso há uma questão na qual tenho pensado bastante e que gostaria de deixar para vossa reflexão. Os defensores do não advogam que toda a vida humana desde o momento da fecundação é inviolável e como tal deve ser protegida a todo o custo. O que eu gostava de saber é o que faria um casal de defensores do não, se vissem a braços com uma gravidez em que se soubesse que a criança ia nascer com uma deficiência mental profunda ou com mal formações. Se por um momento que seja, tiveram dúvidas e lhes passou pela cabeça terminar essa gravidez, o principal argumento para defenderem o não cai por terra, pois assim o que é inviolável é só a vida humana normal e não toda a vida humana. Pensem nisto. E não me venham dizer que estes casos estão consagrados na lei, porque isso eu sei, o que eu estou a questionar são os argumentos usados para defender o não, não o que já está na lei.

21 Comments:

Blogger Rui Martins said...

colocas aqui o dedo no preciso epicentro da ferida:

queremos prender mulheres que abortem?

queremos mandar para a prisão, todos os anos, vinte mil mulheres? (que não podem pagar abortos, em Espanha, claro)

e um feto que não tem consciência, que ainda não conhece dor, nem tem actividade cerebral (até às 10 semanas) é uma "pessoa"?

7:40 da tarde  
Blogger Jorge P. Guedes said...

OUTSIDER:

Li, com toda a devida atenção e reflexão, a entrevista ao Dr.Mário de Sousa. Nela, esclarece serenamente quem o queira ler e responde sem titubear às diversas interpelações da jornalista perante as suas aparentes contradições.
Tudo muito claro e bem explicado, para quem quiser ler o que lá está - insisto.

Muito do que ele diz vem ao encontro dos meus argumentos para o SIM.

As tuas palavras finais apresentam uma realidade indefectível.
E as questões que pões, são pertinentes.

Tal como tu, desde sempre afirmo que ninguém estará de acordo com o aborto.
Só que a questão do referendo é outra, como estou (estamos) farto(s) de tentar explicar.
O Dr. Mário de Sousa não violou o seu juramento hipocrático. E explica bem porquê. Assim se queira saber ler o que vem escrito no jornal.

Um grande abraço.

8:22 da tarde  
Blogger Kaos said...

Uma entrevista que esclarece muitos dos argumentos do Não e que mostra que a opção pelo Sim é a mais certa.
Um abraço

Não tenho feito as visitas que desejava por falta de tempo. As minhas desculpas.

11:31 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O que este país precisa é de mentes eclarecidas como este Dr.
Quanto barulho se faz à volta de coisas secundárias esquecendo o principal.
Votar sim é votar pela liberdade de consciência.
Beijinhos

11:52 da tarde  
Blogger Outsider said...

Rui:
Eu pelo menos não quero mandar nenhuma destas mulheres para a prisão. Ainda por cima as que são apanhadas e acusadas, são-no porque não tinham dinheiro para ir ao estrangeiro.
UM Abraço.

12:05 da manhã  
Blogger Outsider said...

Jorge:
Obrigado pelas tuas palavras meu amigo. Sabia que irias ler com atenção esta entrevista e que irias tirar as tuas conclusões. Tal como esperava vêm de encontro às minhas.
De facto já começo(começamos) a ficar farto(s) de explicar qual é a questão deste referendo, mas continua a existir muita gente que não a quer entender(sejam lá quais forem as razões)...
Um grande Abraço.

12:13 da manhã  
Blogger Outsider said...

tb:
Tens toda a razão. O Dr. Mário de Sousa é um homem brilhante que teve a coragem de defender aquilo em que acredita.
Beijos.

12:14 da manhã  
Blogger Outsider said...

Kaos:
Coloquei a entrevista precisamente por esclarecer muitos dos argumentos que são esgrimidos para defender o não.

Não tens que pedir desculpa, meu amigo. Sei que se tivesses tempo me visitarias, não te preocupes.

Um Abraço.

12:16 da manhã  
Blogger euseinadar said...

Abortar em caso de mal formação embrionária ou fetal é realmente um tema delicado. Na verdade, as situações de deficiência mais grave acabam por tornar a vida inviável e em alguns casos em que o bebé nasce, não tem condições para sobreviver mais que umas poucas semanas, como ocorre na trissomia 13 ou na trissomia 18. No entanto, há situações em que a vida é possível apesar das deficiências. Do ponto de vista ético e moral (o legal já sabemos o que diz...) obviamente considero ser errado o aborto, pois a vida é tão valiosa na sua normalidade como na sua deficiência. Claro que criar uma criança com uma deficiência profunda não é como criar uma criança normal e a dor desses pais deve ser algo tido em conta. Abortar numa situação dessas não é como abortar porque não se quis pôr um preservativo. Mas se perguntas se é certo ou errado, obviamente tenho de afirmar que é errado, sob o meu ponto de vista. Se acho tolerável, aí a questão já é outra. Acho tolerável, de facto. Ou, pelo menos, mais tolerável do que abortar por outros motivos, como sejam a falha ou falta de método contraceptivo, as razões económicas, etc.
Quanto a opiniões de especialistas, podes encontrá-las em ambos os sentidos. Já quanto à forma como o Dr. Mário de Sousa vê o Juramento de Hipócrates, não acho que se trate de uma afirmação razoável. Nesse aspecto não se debate matéria de Direito, mas Ética e Deontologia e aí o Código Deontológico da Ordem dos Médicos é inequívoco quando condena o aborto livre até às 10 semanas. Claro que a legislação do Estado está acima da legislação da Ordem dos Médicos, pelo que qualquer médico que pratique esse acto dentro da legalidade de um determinado país não pode ser punido. A partir do momento em que isso seja permitido pela Lei (pessoalmente espero que a liberalização do aborto até às 10 semanas não seja permitida), o Código Deontológico ou o Juramento de Hipócrates não deverão perturbar o Dr. Mário de Sousa, pelo que ele não precisará de o ver como uma questão a argumentar contra ou a favor.

4:34 da tarde  
Blogger euseinadar said...

Ah, esqueci-me de falar da autonomia do feto. Os sistemas de orgãos só têm autonomia a partir do 5º mês, mas isso não torna o feto autónomo. O bebé não terá capacidade de sobrevivência durante longo tempo após o nascimento, o que não desvaloriza de modo algum a sua existência. Definir estes conceitos (como o conceito de Vida) é algo que não se resolve apenas com factos científicos. Se fosse assim, toda esta polémica do aborto ficaria resolvida com a leitura atenta de um bom livro de embriologia...

4:40 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

ola
Sim é um assunto complexo mas podemos nós decidir se uma mulher pode ou não abortar? Pode a lei de um país faze-lo? O que eu acho é que por detras de tudo isto há muito interesse politico e economico mas só não vê quem não quer.
Por isso vou votar sim mas acredito que o não vai ganhar, mas logo se verá.

beijo

9:58 da manhã  
Blogger Outsider said...

euseinadar:
Deixando de parte os nossos argumentos(válidos de parte a parte) e no caso de deontologia e ética da profissão médica estás obviamente muito mais por dentro, o resultado final de toda esta questão é que vai interessar. As pessoas querem mesmo ver mulheres na cadeia por abortarem? Ainda não ouvi ninguém responder a esta questão, nem sequer os padres, que têm sido mais radicais na abordagem deste assunto. Se acham que as mulheres devem ir presas, há que votar não mantendo assim a lei actual e fazendo para que ela seja cumprida. Deste modo mantém-se o negócio ilícito e sujo do aborto clandestino, para as pessoas que não podem ir ao estrangeiro. O aborto clandestino é um grande negócio para muita gente e é claro que quem lucra com esta situação vai votar não. Se por a lei mudar, se conseguisse salvar uma mulher que fosse por ter tido um aborto mal feito, já valeria a pena mudá-la.
Um Abraço.

5:50 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Sim eu quero ver pessoas na cadeia e com penas bastante elevadas por abortarem, pois caso não se estejam a esquecer, crime premeditado, é um crime que pela constituição portuguesa, é um crime deveras grave. Pena essa que devera ser aplicada caso o motivo do aborto seja apenas para efeitos de não querer ter filhos naquele momento, como já vi mães muito orgulhosas afirmarem essa situação nas televisões locais, onde efectuaram o aborto ilegalmente em Espanha e que ate foi muito caro e que tiveram de se endividar para tal acontecer. Eu acredito que vida existe a partir do momento em que existe fecundação e isto porque, não se trata só de acreditar. Vejamos o seguinte exemplo a NASA para informar o Mundo que descobriu formas de vida no espaço, baseia-se apenas pelo argumento e critério de descobrir um elemento unicelular ou multicelular, estando o mesmo em fase de desenvolvimento ou não, ora a fecundação são duas células uma feminina outra masculina um elemento multicelular que vai iniciar a sua fase de desenvolvimento logo podemos concluir que é uma forma de vida, porque não? Se no espaço é assim porque que no nosso planeta tem de ser diferente?

Saliente-se também que não tem qualquer meio de defesa.

Vale a pena pensarem nisto, certo?

Existe muito ainda para dizer, inclusive situações de excepção, contudo ainda estou a desenvolver esta tese no meu blog "meudoceportugal.blogspot.com" brevemente estará pronto.

Cumprimentos fiquem bem…

6:30 da tarde  
Blogger Outsider said...

Rute:
Colocaste o dedo em mais uma ferida desta questão, os interesses económicos por trás dos abortos clandestinos. Como é óbvio muita gente vai ficar penalizada se a lei mudar, pois perderão esse rendimento ilícito e criminoso. Assim sendo interessa a muita gente que a lei se mantenha.
Um Abraço.

10:48 da manhã  
Blogger Outsider said...

Alberto:
Mais uma vez vou referir o que já disse anteriormente. Eu sou contra o aborto!! No entanto a pergunta do referendo não é se sou a favor ou contra, mas sim se concordo que sejam despenalizadas as mulheres que pratiquem abortos até às 10 semanas. A esta questão eu respondo, SIM!! Porque ao responder sim, não quer dizer que sou a favor do aborto, nem que toda a gente tenha que fazê-lo. Significa que quem não tem dinheiro para ir ao estrangeiro terminar uma gravidez indesejada, possa fazê-lo com dignidade e segurança, sem ter que se submeter a um aborto clandetino. Voto sim porque quero que diminua o negócio criminoso que são os abortos clandestinos. É óbvio que muita gente sai prejudicada se a lei for mudada e assim vão votar não, pois não querem perder esta fonte suja de rendimento.
Qunto ao aborto ser um crime premeditado e quereres ver pessoas na cadeia, pois tudo são vidas desde a fecundação, se pensas assim então deves ser a favor que se mude a lei Portuguesa para a proibição total do aborto em todas as condições. Porque é que um feto com deficiências é menos vida do que um feto normal? Porque é que um feto fruto de uma violação é menos vida que um feto normal? Se defendemos a vida tão acérrimamente ela tem que ser defendida sempre e não só nos casos em que é mais fácil defendê-lo. Assim sendo vida é vida e não deve haver excepções, como é o caso do Chile para dar um exemplo de um país em que o aborto é completamente proíbido.
Querem mesmo que a situação actual se mantenha? Querem que mulheres continuem a ser julgadas, só porque não tinham dinheiro para ir ao estrangeiro?
Querem que mulheres se submetam a fazer abortos clandestinos e vão parar ao hospital por complicações relacionadas com esses abortos feitos sem condições? Pretendem manter este negócio vil, sujo e lucrativo que é o aborto clandestino? Se a resposta a qualquer uma destas questões for não, então há que votar sim no dia 11.
Um Abraço.

11:05 da manhã  
Blogger euseinadar said...

Lá voltamos nós ao dinheiro! De facto ninguém quer ver mulheres a recorrer a abortos clandestinos e eu não quero ver esse negócio prosperar. Mas mesmo assim vou votar NÃO. Porque não estou de acordo com o aborto livre até às 10 semanas nem até nenhuma semana. E porquê este prazo artificial? Qual a base científica/ética/moral/social/económica? Pedir a alguém que assuma as consequências dos seus actos é violar os seus direitos?
Voltando ao tema económico, com a liberalização do aborto até às 10 semanas não estaremos também a ajudar os mesmos negociantes? Não terão eles a oportunidade de se legalizar? Segundo dizia a comunicação social há umas semanas já há clínicas espanholas a querer entrar no mercado Português para prestar esse serviço. Tão cego é quem não vê isto como quem não vê o resto.
Quanto aos padres e demais hierarquia Católica, creio que neste referendo estão a pecar por omissão e não por excesso. Vejo muito pouca intervenção das autoridades religiosas neste debate. São apenas intervenções fortuitas e não deveriam ser pois estamos perante uma matéria que transcende a política, o que, no meu entender, legitima a tomada de posição por parte das várias religiões.
Tenho pena que novamente este debate se faça pela negativa. Voltamos às acusações públicas. Creio que o caminho do debate passa mais pela afirmação das convicções do que pelas críticas aos outros. Criou-se mesmo uma dicotomia entre os adeptos esclarecidos e intelectuais do SIM e os trogloditas e ignorantes do NÃO. É esta imagem que muitas vezes se veicula. Mas também afirmo que isso não me afecta nada. Eu sou o que sou! Ignorante? Certamente! Ignoro tantas coisas que são mais as que ignoro que as que conheço! Troglodita? Como tantos outros! Mas uma coisa é certa, votarei de acordo com a minha consciência, de acordo com um raciocínio lógico que posso argumentar sem ter de recorrer à subtil arte de descredibilizar os meus "oponentes". Baseio-me em tantas coisas: Ciência, Fé, Ética, Moral. Se isto faz de mim um Neandertal, paciência. Mas será um voto consciente. Eu voto porque acredito, não porque acho os outros hipócritas ou fundamentalistas ou ignorantes. No momento em que fizer a cruz, não me basearei nos pontos falaciosos da argumentação contrária, mas apenas nos argumentos inequívocos (para mim, é claro!) que tenho tentado apresentar. E já que se fala tanto em hipocrisia, eu vejo hipocrisia em todo o lado. Não seremos todos nós hipócritas quando vemos a fome que se passa em certos países do 3º mundo, pela televisão, dizemos "coitadinhos" e depois continuamos a encher o bandulho como se nada fosse e se não nos apetece tudo ainda deitamos comida ao lixo? Ou quando vemos as consequências do aqucimento global, dizemos "cabrões dos americanos que não ratificaram o protocolo de Quioto" e logo a seguir chegamos ao carro e ligamos o ar condicionado. Para não dizer tantas outras coisas. Pois é... Com as nossas incoerências podemos nós bem, mas as dos outros irritam-nos de caraças!
Resumindo (para ambas as facções): votem no que acreditam, não naquilo que vos mandam ou no que está na moda. Pensem! Argumentem a vossa causa em vez de reduzirem os vossos motivos à aparente incoerência dos motivos dos outros.

1:42 da manhã  
Blogger Outsider said...

euseinadar:
Estás de acordo comigo que o aborto clandestino é um negócio sujo que não deve continuar. Mas se esta lei continuar tal como está, este negócio continua na mesma. Se a lei mudar dizes que estaremos a ajudar os mesmos negociantes, neste ponto discordo, pois para se legalizarem têm que garantir condiçoes de higiene e segurança e isto faz toda a diferença. Deixam de ser abortos clandestinos, para serem abortos autorizadois legalmente e as clinicas quye os praticarem têm que pagara impostos, acabando assim o negócio sujo.
Quanto a não estares de acordo com o aborto livre até às dez semanas, estás no teu pleno direito e concordo plenamente contigo. Eu nunca o faria(se fosse mulher) nem gostaria que a minha mulher o fizesse, no entanto não tenho o direito de decidir pelos outros pois nem sequer sei quais as suas motivações. Assim sendo voto sim, pois sou a favor da liberdade de escolha de cada um e sinto que ao negar esse direito de escolha a outro cidadão me estou a intrometer na liberdade dele. Quanto ao prazo definido podia ser outro mas acho que isto não serve de argumento, senão poderiamos perguntar, porque é que uma taxa de alcoolemia de 1,19 g/L é contra-ordenação grave e 1,20 g/L é crime? Tem que se definir limites mais ou menos razoáveis.
Infelizmente como dizes este debate faz-se sempre pela negativa. São trocadas acusações de parte a parte em vez de se esgrimirem argumentos. Tenho a certeza que os adeptos do não, não são trogloditas nem ignorantes, mas normalmente quando confrontados com questões directas e pedidos de soluções por vezes agarram-se a coisas de menos importância como o prazo das dez semanas, apercebi-me disto na segunda-feira no programa Prós e Contras.
Estou certo que vais votar segundo o que a tua conscência te dita e acho muito bem que assim seja. Nesta questão ninguém é forçado a nada e devemos votar segundo aquilo em que acreditamos. Eu também vou votar segundo aquilo em que acredito e nos argumentos para mim também inequívocos que me levaram a esta decisão de votar SIM. Nem eu nem tu estamos certos ou errados, nesta questão não há certo nem errado, há o que achamos que está correcto segundo as nossas convicções. Por isso o mais importante não é como vamos votar, mas sim ir votar em massa e mostrar que o povo Português está interessado em ter uma democracia participativa.
Quanto à hipocrisia que falas, é bem verdade que todos somos um pouco hipócritas à nossa maneira, pois vemos muito pouco para além do nosso umbigo. No entanto se tentarmos melhorar um pouco que seja para minimizar os problemas do nosso planeta já estamos a contribuir. Gestos simples como separar o lixo, poupar água e energia já são contributos importantes para a melhoria de condições do nosso planeta. Este pequena contribuição já eu faço, mas reconheço que poderia fazer muito mais.
Quanto ao teu resumo final, subscrevo e assino por baixo. Cada um deve optar segundo a sua consciência e sobretudo não ficar em casa e ir votar.

Esta conversa que tivemos neste e noutro post aqui no meu blog, mostraram que se pode debater serenamente esta questão sem partir para as habituais agressões mútuas. Cada um de nós mostrou o seu ponto de vista, convicções, argumentos e ideais que nos levaram a tomar a nossa opção. O meu blog foi valorizado com o grande contributo que deste para a discussão deste tema e estou-te muito grato por isso. Sexta feira pago-te um copo! ;)

Um grande Abraço.

12:02 da tarde  
Blogger DML said...

euseinadar, tu dizes que a Relegião devia falar mais, antes pelo contrario a relegião não devia ter nada a haver com isto, aqui trata-se de consciencia das pessoas! De direitos de escolha! De opções, de podermos escolher ou seja o que nos torna diferente dos outros animais. Tu dizes que a igreja peca por omissão, pois eu digo-te que peca desde a sua existencia quando espalhou a sua doutrina pela espada, quando matou milhares e milhares de pessoas em nome de Deus. Quando nao percebendo o interesse dos outros ou as suas crenças foram torturadas e mortas na fogueira milhares e milhares de mulheres! Se há algo que não devia sequer se pronunciar por isto é exactamente a religião e como somos um país cristão a igreja catolica apostolica romanica. Como a igreja tambem defende que não de deve usar metodos contraceptivos como o preservativo, é bom, as pessoas que apanhem as DST's!
Isto trata-se de democracia, de liberdade! Voto sim pois todos devemos ter direito a escolha seja do que for!
Mais uma vez saliento o meu ponto que deveria ser uma votação só das mulheres pois nenhum de nós, eu tu ou qualquer homem irá ficar gravido!!!
Assim não teriamos homens a mandar nas mulheres quando votam no NÃO não lhes dão oportunidade de escolha!!
Assim se pouparia muitos votos do não quando as pessoas nunca passarão por uma gravidez ou por essa possibilidade devido ao motivo de sermos homens!

Abraços

Daniel Loureiro

6:35 da tarde  
Blogger euseinadar said...

Apesar de tentar ser conciso e breve, acabo sempre por deixar uma mancha gráfica extensa. Mas tenho de deixar aqui alguns esclarecimentos.
1. Sou cidadão Português de legítimo direito, pelo que tenho o direito de me pronunciar sobre os temas da cidadania, nomeadamente o tema do aborto. Isso é Democracia! Como se não bastasse, uma criança, neste caso a sua concepção, depende em partes iguais de um homem e de uma mulher. O filho é de ambos! Ambos têm o direito de se pronunciar. No caso do referendo nós vamos votar enquanto cidadãos (independentemente do sexo) e não como pais, mães, ou seja lá o que for.
2. O tema da religião é uma outra discussão, mas tenho de deixar também alguns factos aqui escritos. Só um grande imbecil estaria de acordo com as guerras, perseguições e torturas em nome da Fé. Vivemos no século XXI mas as vidas que foram ceifadas noutros séculos não devem ser esquecidas, obviamente. Mas a Igreja Católica evoluiu e um dos seus líderes já pediu desculpas à Humanidade por esses actos. Claro que isso não resolve nada, mas foi um acto simbólico e tem esse mesmo valor. Claro que foram coisas indesculpáveis, mas os Católicos de hoje não são seguidores do Torquemada, são seguidores de Deus! Ou tentam sê-lo. Ora bolas, quantos mouros o D. Afonso Henriques (e sucessores) trucidou, torturou, fossem eles homens, mulheres, crianças, velhos, eu sei lá!? E por isso hoje deveríamos deixar de ter orgulho na nossa Nação? Os nossos Reis delimitaram as nossas fronteiras à lei da espada. Muitos sarracenos e castelhanos foram escorraçados e chacinados e nem por isso eu acho que lhes devo um pedido de desculpas. E hoje não continuam as guerras santas? Não se mata ainda hoje em nome de Deus? E mata-se em nome do deus-dinheiro, também! Hoje mata-se pelo ouro negro! Mas estamos no século XXI, meus amigos! Eis a grande diferença.
3. Termino reafirmando que as religiões, sejam elas quais forem, têm o direito e o dever de se manifestarem neste tema. Se fosse um tema político seria completamente diferente, mas é um tema de consciência, de ética, de moral. E quanto à posição da Igreja Católica relativamente ao uso do preservativo, e desconheço a posição de outras religiões, aí estou plenamente de acordo contigo Daniel. Acho um disparate. Mas tenho a certeza que muitas pessoas da hierarquia Católica também acham isso um disparate. A posição oficial é a que sabemos e, naturalmente, não concordo com ela.

11:25 da tarde  
Blogger DML said...

Muito bem, sem duvida uma excelente discussão, com respeito, que aqui se teve! :)
Um post muito rico em ideias e pontos de vista.
Espero ter mais destes! :)

Um Grande Abraço

Daniel

8:59 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Boas…
Tenho seguido este tópico da despenalização do aborto com alguma atenção, assim como a saudável discussão que se tem verificado neste blog.
Se tentarem visualizar o fundo das diferentes opiniões e comentários que vêm sendo descritos, verificam que os defensores do NÃO têm como base mais forte do seu discurso a ética e a moral, olhando sempre para o futuro e deixando o presente um pouco de parte. Os defensores do SIM baseiam mais a sua opinião em factores do presente estado (económico-social) da vida da mulher e que futuro poderá ela garantir ao recém-nascido.
Esta é uma discussão em que não se sai a ganhar. Dar primazia à vida que se está a formar, acredito que é prioridade de todos. Mas existem factores na realidade de cada um de nós que nos podem levar a cometer este acto que não acredito ser fácil para ninguém. Nunca vi nenhuma mulher feliz por ter optado abortar e não acredito que nenhuma o faça de ânimo leve. Agora é óbvio que se torna importante discutir alguns factores referentes a esta complicada questão, pois nenhum defensor do SIM quer ou aceita que esta prática se torne banal e que se faça a IVG sem que haja uma verdadeira justificação.
Poderemos começar por abordar o tema da vida. Eu penso que actualmente toda a gente considera em embrião uma forma de vida. É claro que discordo quando dizem que a vida começa aquando da fecundação. Antes de haver fecundação existem já duas células que também são vida e, se formos ver por ai, todos os dias matamos arbitrariamente formas de vida bem mais complexas do que um óvulo fecundado sem pensar nisso. Eu acho que relativamente a este tópico, o que nos deveria importar não é saber que o embrião é vida (porque nisso todos concordamos) mas saber quando é que essa forma orgânica ganha uma consciência e se torna um SER. Acreditando na palavra dos médicos e cientistas, com 10 semanas este embrião ainda não é um SER. Os seus órgãos ainda estão em formação, o seu cérebro ainda não funciona, ainda NÃO É CONSCIENTE. Apesar deste estado inconsciente sou completamente a favor da protecção do embrião, e que esta se protele o mais possível de modo a permitir que uma vida consciente se desenvolva e nasça. Agora, no que temos que reflectir é em que condições essa vida vai nascer. Neste ponto acho muito importante considerarmos todas as perspectivas: sociais, económicas, emocionas, psicológicas, físicas, etc., e não só a perspectiva ética e moral. Aqui pode ser também introduzida a pergunta do referendo para meditação, que nos pergunta, não se somos a favor do aborto, mas se concordamos com a sua despenalização até às primeiras 10 semanas. Existem os casos “mais fáceis de analisar”, como as deficiências de gestação que levam a má formação dos fetos. Nesta situação parece haver uma razão que por si só “justifica” a IVG ou que nos leva a ser mais tolerantes com ela. Deixar nascer um ser que tem uma trissomia 18, ou paralisia cerebral parece justificar-nos a IVG, pois é algo inerente ao feto e que não se pode culpabilizar ninguém. Já se falarmos nas outras situações, aqui é que se criam as duas grandes facções de apoio ao SIM ou ao NÃO. Situações que já não têm a ver com factores inerentes ao feto, mas sim aos seus progenitores. Aqui é que entra a grande questão da moralidade e ética em relação com a qualidade de vida do novo ser e seus progenitores. Os defensores do NÃO tendem a desvalorizar bastante as considerações económicas e sociais que levam uma mulher a optar pelo aborto. Não acho que devam ser desvalorizadas só porque a moral fala mais alto. Não deve ser nada agradável para uma jovem mãe (geralmente a classe mais afectada) ver o seu filho a chorar por comida e não ter que lhe dar. E não aceito a argumentação de que se arranja sempre qualquer coisa porque em muitos casos isso não é verdade. Quantas jovens ainda vivem em casa de pais pouco tolerantes que as põe na rua “com uma mão à frente e outra atrás” caso engravidem? Como é que elas fazem para sobreviver. Estes são aspectos que temos que ter cuidado em considerar antes de apontar o dedo.
Uma mãe, nesta situação, é mais que provável que vá recorrer ao aborto clandestino e, se for descoberta, incorre numa pena de prisão até 3 anos, apenas porque tomou uma decisão que era a única a ter disponível na altura.
O caso de uma violação é outra situação também muito difícil de ajuizar. Trata-se de um bébé que foi gerado sem consentimento da progenitora. E há muitos mais exemplos que poderiam ser citados. A mensagem que desejo partilhar aqui é que nestas situações é quase inevitável o aborto e se as mães o vão praticar de qualquer forma, não seria melhor fazê-lo em condições de segurança e higiene controladas, com o conhecimento do estado, que antes de permitir a IVG põe a mulher em contacto com o planeamento familiar e profissionais que a podem apoiar e ajudar na decisão a tomar? Eu penso que se torna lógico o voto no SIM, também apoiado na ideia de que as mulheres não vão começar a engravidar a torto e a direito porque agora podem abortar, até porque estas situações são controladas pelo governo e não são nada favoráveis à própria saúde e bem-estar da mulher.

Peço desculpa pela longa dissertação mas achei importante mostrar que também existe moralidade no facto de se optar por uma IVG e que muitas vezes este passo pode ser mais difícil, mas mais consciente, de dar do que propriamente o deixar continuar a gravidez que, além de ser prejudicial à progenitora, poderá gerar uma vida que nunca vai encontrar o seu lugar no mundo.

Obrigado,
M.Gomes

12:46 da tarde  

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